quinta-feira, 9 de junho de 2011

Volume I - I - bloco 8









Estética da Resistência

Peter Weiss



Volume I - I - bloco 8



Ao longo do caminho da estação de metrô da rua Scwartzkopf, a passar acima da rua Chaussee, até a rua Pflug, sob o uivar das sirenes de alarme, que soavam desde os guardas de quarteirão [Blockwarten] que queria me conduzir ao abrigo antiaéreo mais próximo, perseguido pelo trilar de seus apitos, grudava-se em mim uma questão, e esta se prolongava, enquanto os automóveis e ônibus paravam, os apressados desapareciam nos buracos indicados com setas brancas e eu alcançava ainda apenas mais rápido a esquina mais próxima, para chegar em casa, em seguida uma resposta, se toda ocupação com livros e pinturas não havia sido nada mais que uma fuga, uma evasão para longe dos problemas práticos e dominantes, uma idêntica fuga ofegante em pânico igual aquela corrida sobre a calçada brilhante de chuva, para dentro através da porta de dois batentes com as ombreiras cortadas, ao longo do corredor, através do pátio, a escada acima, para dentro da fria moradia esvaziada. E eu precisava apenas ver a esteira de linóleo, com as linhas e falhas bos cantos destacados das tábuas do chão, com as trilhas desgastadas que levavam até ao fogão, à pia, à porta do quarto ao lado, e então lançar um olhar no quarto, nos quatro buracos que as pernas da cama tinham deixado no assoalho, para perceber mais uma vez a amostra da pobreza e reconhecer que o que, ao que nos dedicávamos noite adentro e com vertigens, para nós, porém, não era disponível. Então, porém, estando junto a janela aberta, acima da confusão dos trilhos, do bosque de postes de iluminação no terreno adiante da Estação ferroviária Stettiner, acionava, em caso de dúvida, a defesa, e eu me dizia, então sob o ressoar da formação de manobra, que a manifestadamente absurda ocupação com riquezas intelectuais fosse nossa parte na luta para sobreviver, e que em nossos espaços verde-acizentados se adequavam bem os enquadramentos de Giotto de Assis e Pádua com a estilizada carência. Por que, eu me dizia, devíamos sempre novamente com isso nos deixarmos desviar, que nós ainda também nos privávamos, que nada nos custava mais do que o nosso pensar, apenas para reconhecer que estávamos de uma vez por todas sem recursos. E quase febril eu já deixava meu pai, em sua jaqueta verde, o ombro esquerdo levantado, a pisar fora de esquadro, quando na capela da arena se esboçava a vida de Joaquim, e minha mãe ajoelhava, em longas anáguas castanhas, igual a Anna, que através da parede algo seria anunciado, acima do assoalho, diante da armação de madeira que era a minha cama. Meus pais haviam sido expulsos desta moradia, também eu me afastaria dali, e poucos dias depois os operários tinham deixado, com seus dois filhos, o quarto ao lado da cozinha, para, com seus bens numa carreta, procurar um outro abrigo na forma de sublocação. Encontrava-se na cozinha nada mais que a mala desgastada que continha as minhas peças de roupa e alguns livros e cadernos de anotação, e, na parede, um cartaz desbotado e rasgado nos cantos, retratando sobre um fundo cinzento um trabalhador que rompia, com gestos poderosos, as suas próprias algemas. Ele devia ficar pendurado aqui, tal um último apelo, antes que seja removido, era necessário que algo de nossa vida passada aqui restasse, então as paredes eram logo devoradas por tremular e esfacelar, e o pensamento à mesa plana com os dois pequenos pães e as redondas bandejas de madeira com o peixe, acima o são Francisco, austera a faca levantada, que não se pode mais deter, comparado com estes afrescos seria junto a nós, porém, tudo a um trem através do pó e pedregulhos. Holofote irrompia com movimentos circulares através da fumaça e eram refletidos nas nuvens que flutuavam baixas. As esquadrias tinham se distanciado, o luminoso zumbir dos aviões de reconhecimento podia se ouvir, e dos alto-falantes de casas vizinhas, ou da Estação, chegava a voz de um locutor, de quando em quando com alguns reconhecíveis fragmentos de palavras, após o longo-estendido sinal de fim de alarme indicando o bem-sucedido exercício já concluído. De súbito funcionaram as lâmpadas lá do outro lado no saguão da Estação e lançavam longas faixas de luz e sombras sobre os trilhos, os êmbolos das agulhas, os trens que manobravam e passavam, em cujas tabuletas eram visíveis os nomes Stralsund, Rostock, Stettin. Vagões de carga eram manobrados nos ramais, aos apitos, oscilantes lanternas azuis pra lá e pra cá. Atrás de úmido-brilhantes arames e cercados da área da ferrovia, sobre os quarteirões da rua Acker, flamejava a placa de anúncio da fábrica de medidores da Companhia Geral de Eletricidade, e ficavam entre as massas escurecidas do parque ao redor do Hospital Lazarus e do cemitério na rua Liesen, envolta pelos vapores das locomotivas, a torre azul-cinzenta da Igreja de São Sebastião [Sankt Sebastian Kirche]. Trens urbanos e ônibus colocavam-se em movimento, as ruas laterais estavam novamente cheias de passos e de gritos, a lâmpada incandescente, que nua pendia no teto da cozinha, podia ser ligada, eu me sentava no assoalho, encostava-me na parede sob a janela, hoje à noite aqui ficaria estendido, coberto com jornais, e também eram vendidos os móveis, seria pago o aluguel, assim porém aconteceria a viagem então em alguns dias, e eu devia refletir profundamente sobre o atraso. Eu não sabia, naquele momento, o que ainda haveria de fazer, os formulários de cancelamento na delegacia de polícia ainda a preencher, o consulado tchecoeslovaco deveria ainda uma vez ser visitado, porém, ao contrário, nada me ocupava o pensamento, logo eu tinha a passagem, estendia-se antes um vazio tempo de espera, num quarto vazio. Talvez eu tivesse me compensado junto ao meu plano, ou, assim eu me perguntava, tivesse eu pretendido, antes da partida ainda precisar de uma longa reflexão, para recapitular os anos vividos neste país [a Alemanha]. Porém, agora era novamente claro que nada drástico se executava, que a data da viagem não se distinguia das datas seguintes, que o tempo era uma única continuidade indivisível, a pensar, a observar sempre como um todo, e quanto mais vasto um período ficava afastado do ponto-de-vista, tanto mais uniformizado se integravam em seu próprio antes e depois. Assim também tudo o que vinha depois era incluído nestas horas, e eu refletia num dia vinte e dois de setembro de mil novecentos e trinta-e-sete, uma quarta-feira, em alguns dias em Warnsdorf [cidade na fronteira alemã-tcheca], em algumas semanas na Espanha, em três ou quatro décadas em lugar desconhecido ainda, poderia ser identificado, além do cubo, onde eu me sentava no ângulo entre dois planos, a localizar os buracos dos pregos, as marcas das peças de mobília. Também isto pertencia à fuga, à evasão, que eu então, lá procurava, ao ordenar historicamente o dia vivido, não mais sabia sobre este, do que Masaryk, o presidente do país [Tchecoslováquia], o qual eu ouvia, desde a saída da pátria de meu pai na Eslováquia, ouvia então sepultado em Lány [vilarejo] próximo a Praga, e que, simultâneas aos exercícios de defesa aérea em Berlim, realizavam-se grandes manobras [militares] em Mecklenburg [norte da Alemanha]. Sempre eu tinha assim muito quanto possível desejado a partir dos acontecimentos, que influenciavam externamente os dias, e novamente era isso assim o que restava disso, o que se deixava perceber a partir das insuficientes colunas do jornal. Entre semelhantes simplificações monstruosas nós vivíamos, enquanto os pensamentos se moviam incessantemente num excesso, e quando era uma fuga, uma evasão, para nós expulsos de contextos não-compreensíveis, assim era isso por força das necessidades, afundávamos além da exaustão, tivéssemos um dia todo entre transmissões de notícias e comunicados de imprensa ainda não poderia dar-nos noção da situação. Porém quando nós nos adaptávamos a partir das informações, que nada correspondia aos acontecimentos, e procurávamos em nossa especialidade, particularidade, que não se deixava falsificar, em nosso pesquisar poderia ter livre curso, então éramos, porém, novamente coagidos a seguir as condições metódicas, que tínhamos procurado mesmo lá fora. A única possibilidade, a lidar com as condições da realidade cotidiana, ficava nisso, a conceder mais externada carestia a nossos passos e decisões. Os fatos em contraste com a nossa opinião de que todos os acontecimentos eram transparentes, esclarecíveis. A retirada desde a impotência, para entender os acontecimentos, deixava ficar o mundo com os antigos. Para o nosso progredir produziríamos para nós mesmos modelos em branco-e-preto, e na redução desde um pró-e-contra, um sim ou não, acertávamos em nossas decisões. O Partido [Comunista], que nós tínhamos escolhido e ao qual nos engajávamos, era uma determinada e estável noção, quando também ocorriam [do Partido] seus constantes deslocamentos. Nos momentos de insegurança encontrávamos com o absoluto de um ponto-de-vista político. Quando nós descobríamos a partir de divergências de opinião, as discórdias dentro da direção do Partido, então nos dizíamos que em sua base o Partido mantinha-se o mesmo. Permitia-se também muito dos quais, o que comparávamos os complexos com os nossos ou isso ou aquilo, ainda a não examinar as circunstâncias dele [o Partido], assim pretenderíamos fazer, lá éramos muitos, que usavam os mesmos critérios e asseguravam igualmente para o impulso, porém, a se provar alguma vez, dizíamos, como correto. Enquanto nós dávamos sentido à nossa atividade através da determinação de uma linha de frente, poderia isso vir para a produção de panfletos ilegais, a redireção de diretriz à célula [partidária], para o alojamento dos camaradas perseguidos, para a viagem rumo à Espanha. Na cozinha, observando fixamente, cuja pintura de parede, descascada e rachada até o teto, refletia a luz da lâmpada, lembrei-me do que Heilmann tinha dito sobre o filtro que ficava sobre os nossos sentidos e que nos deixava assimilar apenas o que nosso cérebro podia processar. Nós nos conformávamos com uma minúscula faixa do espectro [de luz], no qual nós unicamente entenderíamos o que precisávamos, e no qual a mais simples explicação seria sempre a verdadeira. Nós selecionávamos, ele tinha dito, a partir do que era desordenado a desabar sobre nós, o que se deixava adaptar na cadeia de nossas experiências. Tanto quanto, até onde isso tivesse sido evidente, as reações diferentes, porém, queriam com frequência se exercitar, se fazer valer, que o que tínhamos assimilado não podia ficar no âmbito de formulação de nosso entendimento. Mesmo na escola noturna, onde se colocava, de nossa parte, a exigência à expansão do saber, a levantar dúvidas se nós tínhamos mantido bem a noção efetiva no respectivo tema tratado. Para nós havia apenas uma fixada e delimitada área do pensamento. O que aos estudantes era comum, para nós era um fruto proibido. O rancor, enquanto força de impulso ao aprender, nunca fora para mim mais clara do que numa tarde no Museu Kaiser Frederico [Friedrich], numa discussão que ocorria após a visitação, lá um historiador de Arte, descobrindo que Coppi e eu éramos trabalhadores, em assombro evadia-se sobre os nossos conhecimentos e os ouvinte sempre se faziam atentos a nossa origem. À minha esquerda, no canto, encontrava-se a prateleira na parede com os livros, sobre o banco de dormir, também a mesa redonda, no meio da cozinha, eu tentava me situar, as cadeiras moldadas desiguais, a estante com a louça, a roupa para lavar, e desde o lado novamente infiltrava-se uma voz de rádio, agora com estridente nitidez, anunciando a lei de traição à pátria, que previa morte através do cutelo do carrasco para cada criatura desprezível, como se dizia, que através da espionagem e da sabotagem ganhava o imundo dinheiro de Judas. Havia um carro de bombeiro em Assis, na [cidade de] Francisco, puxado por dois cavalos rubros, a subirem do teto da delgada casa aninhada ao céu esverdeado, e eu não estava seguro, à vista daquelas gravuras, se a produção de uma ligação entre os monges agachados sonolentos em hábitos marrons e mim, que me deitava a rastejar, numa jaqueta de couro, se seria um sinal uma visão clara ou de uma ofuscação. Porém, então, minha atenção seria dirigida a um simples ranger no assoalho, e ao indício de um movimento no forro de linóleo. Lá, onde antes estivera a mesa, precisamente no reflexo da lâmpada, que se derramava em círculos de ondas idênticos, algo pressionava o assoalho contra a esteira, e enquanto esse era levantado arrebentava a farpa afiada, rasgava com ruído rangente o linóleo quase até aos meus pés, e eu me empurrava de costas até a parede onde acima até a janela, as mãos se amparavam nas tábuas, os ombros meio inclinados para fora. O que diante de mim acontecia, era obra de grande esforço, porém eu podia prestar nenhum auxílio, então no avanço eu estava paralisado, cada vez quando eu procurava estender os braços, eu apenas recuava novamente rumo a janela. Desde os primeiros estalos eu logo sabia que alguém lá estava enterrado, e enquanto as soltas tábuas quebradas se abriam, eu distinguia também de imediato e completamente a empoeira mão de meu pai, com as articulações inchadas, os robustos nós dos dedos, seu braço emergia da argamassa, sua face jazia ainda no reboque, que entre as pranchas estava tapado, eu queria ajudá-lo, porém eu me agarrava bem à janela, que descartaria de mim qualquer outra emoção. O quanto ele gostaria de parecer, eu pensava, após tão longo tempo debaixo do chão, por quase três anos, quanto esforço deve ter-lhe custado, até ele finalmente conseguir arrombar as tábuas pregadas e em seguida o aderido forro de linóleo. Eu imaginava a face dele, percebia isso com dificuldade, quando eu escorregava acima da tábua da janela e me suspendia lá no alto sobre a rua, porém, o que eu via não era a face dele, e eu procurava descobrir por que estes cinzentos torrões argilosos, com o nariz assim grosso e vulgar, os fundo-esmagados buracos dos olhos, o rude corte retalhado da boca, não queria se ajustar à face de meu pai, porém era o que lá jazia. Tratava-se da dificuldade, eu me dizia, algo a se apresentar, algo a se fazer compreensível. Enquanto eu me afastava [com nojo] com os pés sobre as bordas da janela e pairava fora sobre o fosso de trilhos, eu pensava nisso, como era estranho que sempre vivíamos com tanta certeza entre as coisas, como se elas fossem reais pelo que elas parecem. Eu poderia ainda, em resumo, perceber o triunfo, que se ligava a isso, que nós tínhamos nos unidos a uma realidade, com a qual acertamos este singular e ousado acordo, a designar e avaliar e incluir tudo em nossa consciência, porém então eu via, longe voando de volta, que isso de modo algum era correto, que o evidente e concreto era envolto em tumulto, em espreitar e sufocar, e de imediato se ficava a encontrar nomes e conceitos para murmurar. Lá eu tinha perdido a fala, deixava-se nada mais confirmar agora do que o fato com certeza devesse ter sido. Eu afundava longe do saber, o que estava lá embaixo rumo a Estação, era impossível relembrar todos os detalhes, como se erguera esta construção, eu sabia apenas que vira muitas vezes [a Estação], lá diante do simples e arredondado vestíbulo passavam coches e táxis, lá estava uma escadaria externa, um portal, lá os amarelos tijolos vitrificados, ornamentos mouriscos em arco e rosetas, lá estavam as salas dos balcões, barreiras, plataformas, amortecedores empurrados uns contra os outros, pessoas passavam pra lá e pra cá com malas, estava lá uma estrutura, que poderia ser uma estação, porém o indício, de onde estava a Estação, local de onde devia seguir a viagem, fazia falta, não de um tempo a se determinar de uma vez, peças de roupa, veículos tinham às vezes a aparência de serem de décadas anteriores. Assim simples e convincente a existência havia sido entre alternativas, constantemente levando a decisões, mostrando consequências a partir de causas, assim ligeira e naturalmente ela seguia também em sua condição de imponderável, apenas a sensação de que o que fazíamos era correto, que esta [a existência] não poderia ser diferente, ainda mantinha-se disponível em mim o senso para a orientação, volteando ao redor, pairando sobre o enegrecido teto de vidro da Estação, eu sabia que encontraria à minha direita uma rua ampla, e logo eu pairava mais baixo sobre um espesso grupo de árvores, ao longo da fachada de colunas de um museu, cheio de ossos pré-históricos, plantas fossilizadas e conchas, olhava na luz enevoada das salas, através das quais eu seguira com meu pai aos domingos, e novamente emergia de lugares de sepultamento, eu devia oscilar fora com os braços, para me levantar, para não ficar preso aos monumentos de pedra, e então, de novo num giro para a direita, eu deslizava pra lá sobre lugares de prática esportiva, com barreiras, caixas de areia, boias, e ficava sobre o cinza da pista de corrida, que formava uma compacta fileira, aqueles com roupas pretas, de braços dados, e eles tinham se disposto agora em movimento, lento ao extremo, estreitamente um ao outro enganchados, eles oscilavam em passo cadenciado desde o mais externo à direita que marcava o passo, em movimento de ponteiros de relógio sobre a eriçada e ressequida grama da campina, e movia-se algo diante deles, de membros, de corpos, eles impeliam presos diante de si pra cá, os amparados uns nos outros, um ao outro puxava e arrastava, então muitos eram feridos ou logo mortos, nenhum ruído deles se ouvia, e também no hospital, ao fim do campo, lá as tranquilas janelas iluminadas, lá ficavam, lacerados, ensanguentados, uns próximos aos outros, uns sobre outros, lá lançados ao chão, aqui e lá um soldado pisava sobre eles ao atravessar, golpeando sobre eles com uma vara de ferro, e ainda novamente virando-se à direita, adentrando num estreito desfiladeiro, inclinando quase até ao chão, eu me encontrava de volta ao quarto, no qual se juntava as fachadas das casas, ali onde eu morava. Eu havia sobrevoado alguns bairros, próximos os conhecidos, apenas difícil de reconhecer por causa de um pequeno enfraquecimento, ligeiro e imperceptível tal o fechar de uma pálpebra, raramente havia sido verificável a travessia de um nível a outro e eram, porém, totalmente diferentes uns dos outros os ordenamentos, as leis vigentes, e visto que também mantinha-se a rotina, que tudo nos afetava, que tudo é material, que nós todos somos entregues à vida e à morte, assim viria a ser o estranho o único possível, imediatamente carregado com todas as exigências e os perigos, não era imaginável um outro mundo que este cinzento, pesado, aqui tudo acontecia, as casas deviam ser assim pesarosas e apáticas, as ruas assim cheias de negrume, o céu assim baixo e ardente, algo diferente que este flutuar no ar, este tatear ao longo de paredes, estacas, calhas de telhados não era possível, não eram longe negadas as pilhas de mortos sobre o campo, pré-escavado pela finalmente lenta deslocante fileira de pernas metálicas, cujo mecanismo era ativado, e o hospital ficava lá, sem gemer e lamentar, assim também a maquinária se movia lá fora sem o mínimo chocalhar e tiquetaquear, e teria sido indescritível, onde, em qual rua, em qual cidade, em qual época, isto acontecia, e, porém, era cada acontecimento naturalmente, apenas assim, com os pés primeiramente, de novo de costas, através da janela, eu poderia retornar à cozinha, e era a mesma cozinha, que eu acabara de deixar, a cozinha na qual a lâmpada ardia sobre o assoalho , entre cujas tábuas rompidas jazia o meu pai. Eu gostaria apenas, eu lhe disse, agora capaz de me expressar, a assegurar o quanto isso parecia distante, se longínquo tudo havia se mantido o mesmo, visto que o que eu fazia na cozinha não podia ser verdade, e eu tinha me convencido disso ao olhar ao redor, que as ruas, as casas, as praças e os parques eram reais, como eles tinham de ser, e que por isso também nada na cozinha podia ser distorcido. E visto que agora cada dúvida havia desaparecido, podia aceitar os torrões de barro que lhe cobriam as feições do rosto. Meu pai se levantou. Seu eriçado cabelo curto estava cheio de restos de cal, seus lábios cheios de crostas, os buracos das narinas e os cílios tapados, ele se apoiava nos cotovelos, eu esperava o que aconteceria em seguida, que seus olhos se abrissem, que sua boca se movesse.







[pausa]








mais obre os Blockwarten [ou Blockleiter]
os guardas (ou líderes) de quarteirão no regime nazista
http://en.wikipedia.org/wiki/Blockleiter












LdeM

domingo, 15 de maio de 2011

Volume I - bloco 7 (2/2)









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Coppi achou este olhar frio, incomunicável, o caráter definitivo do descrito parecia-lhe fatídico. Os maiorais [a Elite] mantinham-se cercados por armas, por estandartes, protegidos por uma abóbada celeste, e separados, sempre em gestos de mútua destruição, estavam os soldados. Nem as pernas dispersas do cavalo, nem o machado que balançava, ao lançamento de um dardo, tiravam a oportunidade de um movimento contínuo, uma mudança de lugar. Nas atitudes equilibradas não se pensava qualquer queda ou arremesso contrário, nem qualquer volta ou giro, mudança ou revolução. Nada havia de diverso desta peculiaridade destes concentrados segundos que se observava, tudo o mais era excluído em favor dos aspectos visuais de um entrelaçamento de artesanato de cestos [Flechtwerk], mantendo-se fora das linhas de espadas e lanças, das rédeas e das barras de estandartes, as curvas dos escudos, dos elmos e coxas de cavalos, das colunas e pilares das pernas, da gradação dos braços, mãos e faces, dos pontos de vista dos olhos sob escuras sobrancelhas. Daí veio a estranheza, a excentricidade da pintura, que esta, apesar de seu conteúdo figurativo, queria imitar nada da Natureza. Possuía sua luz peculiar, e o acontecimento nela [na pintura] era uma harmonia de colorações. Uma tal declaração seria especulativa, disse Coppi, e não desenvolvia o nosso assunto. O que então foi combatido nada tinha a ver com a nossa luta. Porém as objeções serviam, aquelas que apresentávamos, com frequência apenas quanto a isso, para aguçar nosso julgamento. Por que, nos perguntávamos, nós nos interessávamos por esta pintura que na escolha de seus agrupamentos baseava-se em divisões de classes. Porque precisávamos do conhecimento de tais obras, que considerávamos em seu integridade. Precisávamos destes singulares produtos sofisticados da Arte, da Literatura, para ser um complemento para o nosso lado, sem qualquer monumento, e conhecido pela pobreza e pela miséria. Juntamente podia emergir alguma hostilidade. Porém sempre de novo predominava o impulso que, ao tratar com o hostil, indiferente queria opor-se a nós, como se além disso apenas para dar-nos tema de estudos. Assim igual as sombras, que no jogo variado dava aos corpos ar e vivacidade, eram banidos, assim era apesar da confusão de pernas, nenhuma marca de patas ou cascos visível em todo aquele chão. De forma estatuária destacavam-se os corpos em tumulto, envoltos com malha de escamas, couraças-de-ombro e escudos, porém ninguém possuía realmente alguma consistência, realmente peso. As faces dos guerreiros olhavam fixamente, sob os gigantescos elmos, imóveis e apáticos, para além do cruzar de armas. Às vezes minha memória projetava um detalhe da pintura nas caldeiras, cilindros e êmbolos das centrífugas, com as quais eu trabalhava. Na maioria das vezes, as faces eram insensíveis, porém cheias de expressividade, sérias, silentes, meio ao confronto, que eu via diante de mim, três delas com tons de branco e profundo verde destacadas, estavam entre ornamentos de armaduras, espadas e lanças junto-acotoveladas, a primeira oblíqua e frontal, emoldurada por uma barba com manchas brancas, a segunda em perfil, com abobadado nariz em forma de bico, com um lábio inferior avançado, a terceira atrás destas, os dentes brilhando na boca aberta, a bochecha fendida por um golpe, transbordando de sangue, e no apoio mútuo, porém, mantinham-se cada um por si, com o mesmo olhar meditativo. Intercalada entre uma cortante e avançada viseira fechada, de um trombone, de uma clava, uma cabeça de cavalo olha uma outra com extrema atenção ao encontro de quem observa, e assim muito ele havia recorrido a este procurar, que ele não percebia, o que lhe fora infligido, pois atrás dele avolumava-se um punho ao redor do nó do punhal, cuja ponta perfurava-lhe a garganta. O drama, elemento neste período da história da verdadeira cruz, acontecia assim ao mesmo nível a um segundo trecho, porém aqui não confinado, oculto, mas ao contrário bem evidente, quase como se apresentado à instrução. Justo agora um braço estendido cuja mão azulada agarrava leve e frouxamente ao artístico cabo cinzelado e golpeava o longo e fino fio de corte fundo na vertical garganta para-trás-encurvada do adversário. Este voltava seu perfil com o queixo para cima, seu crânio ficava na casca do elmo pintado com um padrão floral, e a face do seccionado acima dele pressionava a mesma cuidadosa e prática reflexão que devia ter guiado o pintor na criação de sua pintura. E já víamos também, como nas obras, que eram dedicadas aos preferidos e escolhidos, as faces dos soldados, dos servos se faziam valer, como eles se destacavam, mas convincentes, mais fortes e mais experientes do que seus próprios senhores. Nas obras de Mantegna e Masaccio, Grien, Grünewald e Dürer, nas obras de Bosch, Brueghel e Goya os trabalhadores já entravam em primeiro plano. Os pastores e os pescadores, que tinha se conformado a suas funções decorativas, perderem de súbito, nas pinturas de Poussin, a simplicidade e brandura deles e carregarem sofrimentos, como se eles estivessem descritos em tragédias clássicas. Um ferreiro, um marceneiro seriam em La Tour com seus trabalhos assim destacados, que eles ocupavam sozinhos nas molduras, sem mandante e comprador. Vermeer, Chardin conservavam maturidade, beleza não para os mestres, mas para as costureiras, as lavadeiras, as empregadas domésticas. Fossem as ordens determinadas historicamente, as condições de uma determinada época uma vez reveladas, assim nos defrontaria uma duradoura imagem da realidade, e isso se deixaria distinguir, em que grau o artista preparava o desenvolvimento futuro e qual atitude ele tinha adotado diante da opressão suportada século após século. Em muitas obras, indiferentes, se Príncipes, Prelados ou Mecenas especulativos tivesse sido apresentados nelas, pois elas possuíam a permanência de um peculiar sentido de verdade, na superação de preconceitos e limites, desde então incluído o elemento da perda de classes. A renovação social, a aceitação de descobertas e conquistas das mãos dos dominantes, a produção do poder em particular, a fundação do nosso pensamento científico, estes eram temas que nós podíamos nos apresentar na Arte, na Literatura. Porém em vistas das possibilidades inumeráveis da expressão, que tínhamos conhecido, e as diversas capacidades de recepção, reações e retoques em que ponderávamos, chegávamos à convicção que se desenvolveria entre os intelectuais socialistas uma nova Arte e que o caminho daqueles de igual disposição de suas tendências certamente despachariam todas as diretivas programáticas. Também foram suficientes as aberrações e tentativas fracassadas, quando elas permaneciam ao lado da Revolução, e cada um deveria selecionar a partir das possibilidades disponíveis do antigo e do novo, o que corresponderia aos seus próprios pensamentos. Nós, que nos informávamos a partir de uma iniciativa peculiar sobre os eventos da atualidade, que extraíamos daí as nossas conclusões e tínhamos escolhido nossa filiação política, também exigida pelo Partido, ao qual pertencíamos ou nos aproximávamos, que merecia a escolha, aí encontrávamos a área cultural. O fato de que nós jovens trabalhadores, como também nossos pais e mães, que crescêramos sob os tempos de guerras e carestia, geralmente nos envolvíamos com Arte e Literatura, e que assim de pronto eram as próprias descobertas, que podíamos contra por às condições sufocantes de vida, expressava assim a nossa cultura futura que chegaria a partir de nós mesmos e que nós por isso antes de tudo precisávamos da confiança em nossas capacidades. Tudo isso era um esboçar. Agora, neste último dia na cozinha de Coppi, eu via a dimensão do que se iniciara, o que fora reunido por nós, por isso se passara a hora breve, preenchida livros e lugares, quadros e oficinas, museus e realidades políticas, antes do início do exercício de proteção aérea. Os anos que eu tinha passado neste país [Alemanha] tornavam-se notadamente compactos, eu me encontrava numa reviravolta, numa transição para um novo período de vida. Porém isto era então a correta definição, nós perguntávamos, quando falávamos sobre a minha vindoura viagem, a mudança de residência possuía ainda uma importância quanto às tarefas diante das quais nos posicionávamos, que eram as mesmas em todo parte e nos mantinham unidos. Após as cenas de batalhas em Arezzo, disse Coppi, ao saudar recapitulando o nosso período Francesca, e entregava-me uma das figuras dos inícios de nossa atividade artística subversiva. Tratava-se de uma série de cartões de comandantes do exército desde a Guerra Mundial [de 1914-18] e os grandes do Partido fascista [do NSDAP, os nacional-socialistas, a.k.a. nazistas], que ele tinha transformado em caricaturas ofensivas. Elas seriam preenchidas com palavras-de-ordem, nas quais de modo grosseiro lembram os conhecidos, que eles [os fascistas] eram, falsários de diplomas, ladrões da cultura popular, racistas, assassinos em massa, e para ficar mais completa a explicação sobre as intenções deles, eles seguravam um punhal, um machado, uma pistola. A partir destas caricaturas, que ele fixava em quadros-de-aviso do trem subterrâneo [metrô] e em tabela de horários de ônibus ou tinha colado em colunas para cartazes, sobre placas para grandes comícios, mais tarde originariam os panfletos copiados por ele mesmo, graças aos quais, quando os distribuía diante de uma fábrica, ele seria preso. Porém Heilmann tirou de mim a figura. Sempre ainda, ele disse, vocês subestimam o aparato de poder do adversário. Ele se ofereceu para guardar os desenhos de Coppi, como também os escritos escondidos junto ao fogão, no porão da casa de seus pais, onde não seriam descobertos, e sugeria, por precaução, além disso, no brasão da porta, pendurar uma foto do Führer, o que devia impressionar a qualquer um que entrasse, de um modo diverso.








[pausa]





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mais sobre Dante, Inferno
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Alighieri
http://pt.wikipedia.org/wiki/Divina_Comédia
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Pietro della Francesca
http://pt.wikipedia.org/wiki/Piero_della_Francesca
http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/piero/
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mais sobre os artistas
Mantegna, Masaccio, Grien, Grünewald, Dürer
http://pt.wikipedia.org/wiki/Andrea_Mantegna
http://pt.wikipedia.org/wiki/Masaccio
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hans_Baldung
http://pt.wikipedia.org/wiki/Matthias_Grünewald
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dürer
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mais sobre Bosch, Brueghel, Goya, Poussin,
La Tour, Vermeer, Chardin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hieronymus_Bosch
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pieter_Brueghel_o_velho
http://pt.wikipedia.org/wiki/Goya
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolas_Poussin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Georges_de_La_Tour
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vermeer
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Baptiste-Siméon_Chardin


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em breve o bloco 8 ...........

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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Volume I - bloco 7 (1/2)






bloco 7










A Divina Comédia era tão inquietante, rebelde, e também com forma e tema aparentemente bem diverso quanto o Ulisses [de James Joyce], o qual tínhamos conhecido primeiramente em fragmentos, como se fosse jogo-de-palavras, hieróglifos. O que acontecia então aqui, nos perguntávamos desde o verão deste ano [1937], com o modo de imaginarmos algo como uma cúpula invertida, afundada para dentro da Terra, com seus círculos, cada vez mais fundos, e que devia exigir a duração de uma vida, enquanto ela seguia a fase até a chamada ascensão, que se fazia em espirais, até o alto, que estava além do representável. Nós ainda não tínhamos prosseguido desde a Francesca de Rimini e Paolo Malatesta [o Segundo Círculo, o dos luxuriosos], e já tínhamos passado muito tempo com a reinterpretação da tradução de Gmelin, na Biblioteca Universal Reclams, e a de Borchardt, na edição de livro de bolso da Editora Cottaschen, comparando as três fileiras com os terceiros italianos, que Heilmann, baseando-se em seus conhecimentos de latim e francês, lia para nós. Em certo modo algo contrastante das impressões linguísticas, das metáforas esmeradas, do ritmo perdido e da sequência de sons avançava nos íntimos contextos de um fervor nunca declinante que notávamos quando em nós mesmos despertava as experiências, das quais antes nem sabíamos, mas estavam preparadas, a atingirem o efeito através da Poesia. Da leitura nada queríamos de místico ou irracional, o que nos aborrecia, mas decompor cada lembrança em seus componentes, em discussões sobre a floresta na qual seguíamos ao lado do andarilho, durante semanas, e depois voltávamos depois com frequência, com consciência, para entender alguns motivos/temas nestas cantigas. Ao mesmo tempo era um movimento de tatear às cegas, no mundo da percepção em lugar não retornável, cuja porta de entrada e átrio seriam descritos de modo concreto assim como o bosque com seus animais, suas peculiaridades topográficas, sua luz lenta vertendo adiante, permitia a descrição de ampla aventura. Desde as primeiras linhas formava-se a impressão, que se aqui descrito, realmente não se deixava expressar com palavras e imagens, e quando se ajuntava o impossível então, de linha a linha, de trecho a trecho, em modo simétrico, com sucessivos números de margem de reforçada estrutura, a uma estável, harmônica, pensada unidade não mais diferente, seria o triunfo da faculdade de imaginação elucidada sobre o caótico, esquivante, de todo duvidoso. Isto mostrava-se não apenas a trilha adentro na estrutura de almas no Inferno, na qual a matéria-prima de uma época se condensava à visão subjetiva, ao contrário o ritmo no mecanismo do trabalho artístico. Junto a Arte se relacionavam pensamentos sobre a morte. O escritor da Poesia encontrava-se no meio da vida, porém ele se entregava em seu trabalho tanto a um morto enquanto guia [Virgilius] , quanto também ao encontro com os mortos. Enquanto ele seguia, ele se deslocava nesta proximidade da morte, o que ele respirava era um ar cheio de morte, junto aos falecidos, o reflexo daqueles que nada mais possuíam, e assim, ao meditar sobre isso, o que os mortos ali ainda sobreviviam diante dele, ao adentrar cada região, nas quais ele naturalmente esperava encontrar o próprio esqueleto, pois a ele parecia como se ele também fosse falecido. Podíamos comparar a viagem dele com a inércia embriagante do sono, conhecíamos o súbito cochilar ao alcance, o começo do sono, os instantes nos quais os ganchos-presilhas nas correntes da grua podiam te golpear o crânio, a correia de transmissão da máquina podia te arrancar o braço, ou à noite, de madrugada, de manhã cedo, que isso não permitia perceber se o quarto, no qual estávamos, era parte de um sonho ou se o sonho projetava-se em teu quarto, e neste estado intermediário, rodeados de pesado cansaço, porém ainda em condições, para ver, para ouvir, a nutrir pensamentos sobre o que parecia de relevante, a fazer-se notável e objetivo, quando ele compunha letras sobre o papel. Não podíamos ainda compreender a elaboração de um livro, uma pintura, até aquele momento éramos apenas receptivos à Arte e tínhamos, exceto por alguns poemas de Heilmann, no máximo elaborado de vez em quando um relato, muitas vezes sobre experiência além do âmbito do trabalho, que novamente referia-se a uma infinda dificuldade, do que chegar a uma amplitude, uma maior visão de conjunto. E comentávamos todo o complexo que nos oferecia o livro de Dante, e os sentimentos de culpa que faziam parte. Também insistíamos no nosso direito de ter livros, assim acontecia porém que devia ser uma leitura não sem cautelas. Nem ao menos os pais de Coppi participavam, em total impossibilidade, que assim tínhamos avaliado para o salto desde o concebido até o peculiar, aqui percebíamos bem o isolamento quanto ao que seríamos capazes de ler, mas não tínhamos aprendido no tempo certo, como era abrir e considerar um livro. Quando nós, com tanta convicção, falávamos de nossa auto-consciência cultural, e quando também sabíamos como essa tinha se mantido em alguns grupos, e assim muitos havia, empurrados adiante, não podíamos aceitar, a pensar diferente sobre a terrível paralisia a qual por causa do brutal domínio do poder, privava a leitura de iniciativa, tempo livre, incentivo e exemplo. Não era suficiente fazer com que as bibliotecas fossem abertas, mas antes superar a ideia obsessiva ao longo de gerações de que o livro não era algo feito para você. Nós nos sentávamos aos domingos no bosque Humboldt [Humboldthain] ou no cemitério da paróquia de Hedwig, na vizinhança da rua Plug [Plugstrasse], e procurávamos descobrir o que a Divina Comédia tinha a ver com a nossa vida. Nós supúnhamos antes de tudo que o despojamento seja uma das condições para a produção da Arte, que aquele que produzia se dedicava a conquistar algo fora de si mesmo. Porém isso soava de novo nada razoável, a Arte representava nossa convicção a uma maior realidade, porém, e assim era apenas para se alcançar através da tensão de todas as forças vitais. Então assim se revelava no determinado, conscientemente executado andamento da composição, que o misturar do pensamento de morte, a vida com a morte e com os mortos em si, bem podia provocar o impulso à obra-de-arte, que, porém, o produto pronto era determinado para os vivos e também por isso devia se apreender e refletir segundo todas as regras dos vivos. Dante demonstra este método de duplicidade, no qual superava o sobressalto diante do próprio delito, quando ele deixava símbolos que sobreviviam à vida particular [do Autor], e quando de início parecia, quando se ocultava esta transformação sob símbolos e alegorias, que apenas eram compreensíveis a quem era familiarizado com a Escolástica, assim deixava-se o trabalho de filigrana das metáforas, porém examinar mais e mais segundo detalhes, que a partir de uma imediata vizinhança falam de uma realidade observada. Não era mais necessário que entendêssemos as mensagens como elas talvez pretendessem dizer desde seiscentos anos, antes, ao contrário, que elas se deixavam deslocar até nossa época, que elas adquiriam vida aqui, neste parque, junto aos brinquedos das crianças, aqui, entre estas covas recentemente acumuladas, sob a Igreja de São Sebastião [Sankt Sebastian Kirche], assim era que [a obra artística] se fazia durável, a despertar nossas próprias ponderações, que ela exigia nossas respostas. Apesar de rodeados pela ruína, não ocorria-nos nunca o pensamento de que nossa vida recém-iniciada poderia ser precocemente extirpada, porém agora a própria morte seguia para um momento desde já divergente no foco, do qual se esquivava novamente, porém apenas o que sabíamos então, para mais tarde novamente emergir, cada vez mais nitidamente. Dante seguia entorpecido, porém rodeado por personificações, disformes, grotescas, resfolegantes ao redor, tais como lince, lobo, até rugindo com voz de leão, a ele acossando novamente, no declinar, e o que era o salvador, o guia de certo modo diferente diante da lembrança, deixava surgir a perseverança onde houvera ainda recente instabilidade. Aquele de Mântua, o lombardo, lhe chamava a continuidade no sentido, modo de pensar, que se prosseguia sobre vida e morte, e acima deste modo podia ao ponto-limite, onde esperava a dissolução, que o mundo fácil de se perder ainda poderoso de certo modo, a ficar mais violento, tumultuado, tudo se colocando de encontro a ele, o que lhe animava para a atividade mais poética, mais política, o que desfazia as esperanças dele, ele [Dante] expulso de Florença, sendo subjugado pelo exílio e pela miséria, e também que o que se tinha obtido após a auto-renúncia e ascetismo na vida. Ali junto a entrada do Reino dos Perdidos, ainda antes que Caronte empurrasse o barco para a travessia do Aqueronte, logo ficou esclarecido que se tudo se espiralava aqui não um Além no interior da Terra, ao contrário o mundo habitado, que Dante tinha invertido, de ponta-cabeça, na virada só século treze para o quatorze, com tudo o que denunciava de tumulto e maldade, ciúme, ira e ilusão. Desde o acúmulo de figuras/símbolos, das quais cada um era preso em suas manias, ele destacava sempre novamente detalhado, depois que ele tinha primeiro se abandonado ao frio apontar-de-dedos de Virgílio [a indicar a direção], e não apenas até desnudar a pele, com suas cicatrizes, deformações, caracterizada na loucura deles, eles [os Perdidos] se apresentavam aqui, senão enquanto representantes de determinados interesses de classe. Às vezes dominado por emoções diante da visão deles, os quais ele tinha defrontado em intrigas e controvérsias, porém sucedeu a ele o fato de registrar um padrão social, que para sua época devia ter sido notável. Aqui [na Divina Comédia] estavam todos os Grandes da época, até os Imperadores e Papas, retratados com seus nomes próprios, com traços individuais, e de suas paixões se incendiavam, numa irrupção, numa glaciação, nas quais se consumiam por toda a eternidade. Antes de tudo nós tínhamos folheado então, onde estava registrado o infortúnio provocado por eles mesmos, e já podiam reconhecer como se sistematizava a imensa fartura. A alucinação, na qual o matar e o torturar recaíam sobre o culpado, na qual cada perversidade foi à própria libertação, era ao mesmo tempo quase uma pedante catalogação de todos os atributos, os quais se trazia com a ascensão ao poder. Porém este moralista continuava, Coppi dissera, que entregava à condenação cada um de seus inimigos e antagonistas, enquanto ele mesmo era imaculado, ele bem poderia lamentar, poderia afundar em impotência, em vista de todas estas dores, que os outros sofreram, ou que causaram, ou também do próprio sofrer, porém nunca ocorreu-lhe o pensamento de que também ele, através de um hesitar, uma omissão, um calar-se, um negar, tornara-se culpa aos olhos de um outro alguém, ele que atravessara o Mal e sabia, enquanto se mantinha firma na mão do espírito protetor [Virgilius], da consciência artística, nada poderia molestá-lo. Não é isto também, Coppi perguntara, uma arrogância, diante da qual devemos nos resguardar na Arte?, e Heilmann respondera, em seguida, que esta insensibilidade talvez fosse igual a que conhecíamos no sonho e que isto para nós em geral antes de tudo possível suportar diante do que aparecia. Se as feras realmente golpeassem, se a fatalidade ao redor se realizasse tal como se ameaçava, ele teria nada mais além a declarar. O martírio do sonho e da poesia, Heilmann dissera, seja a entrega a uma situação, da qual não há saída, tudo o que nos aconteceria, como se isso fosse real, apenas continua o sonho até não ser mais suportável e acordarmos, assim como se liberta na poesia através da transmissão em palavras. A anestesia também fazia parte disso ao extremo, em posição referente a Arte, então sem cuja ajuda seríamos subjugados ou pela compaixão diante dos sofrimentos alheios ou pela consciência da própria miséria e poderia nosso calar-se nosso imobilizar-se de terror não converter-se em alguma agressividade, que é necessária para remover as causas do pesadelo. Igualmente era a claríssima radiografia do encontro decisivo entre a morte a sobrevivência a encontrar em muitas imagens. Enquanto eu ainda trabalhava no setor de montagem de centrífugas-separadoras, houvera um período no qual vivíamos com os sonhos de Piero della Francesca. Aqui não se tratava de um livro, que fora encadernado em algum lugar e poderia ser algum opcional, a se mostrar livremente em suas permanentes peculiaridades, antes ao contrário era uma série de fragmentos, que apenas deixavam uma ideia de totalidade, da qual os trechos faziam parte, e os que eram preenchidos por igual expectativa, que a cada olhada despertava o desejo de um encontro com as reais dimensões dos afrescos em Arezzo. Sem-sombras, em um recinto, sem profundidade, estavam as imagens, com suas armas, cavalos de guerra e bandeiras, encaixados uns nos outros, do que distintos do mesmo modo que as anteriores, e cada detalhe, seja a corrente de uma atiradeira, uma fivela, uma dobradiça, um penacho de elmo, o olho de um soldado ou cavalo, era de igual valor, à nenhuma outra regra eram sujeitados do que aquela imposta pelos planos de composição. As consonâncias do branco-cinzento, cinzento-escuro e sombra dos cavalos, as tonalidades rubras, violetas, cinzentas, verdes e azuis das peças de roupa, o vermelho das manchas de sangue, o brilho das espadas e armaduras, as ferraduras de cobre em couros embotados, a visão em espiral em volta de um curso d'água cristalino, reluzente-espelhado, com cisnes, a relva transparente destacada no reboco de cal e moita na areia branca da margem, a geométrica muralha ao redor de uma cidade, o azul-esverdeado do céu, que se percebia peculiar quanto ao solo, plano e ileso, que tudo numa olhada, que evitava toda e qualquer emoção, na monumental eficácia de um consecutivo deslocar de equilibradas formas. Coppi achou este olhar frio, incomunicável, o caráter definitivo do representado/ descrito [...]



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mais sobre Dante, Inferno
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Alighieri
http://pt.wikipedia.org/wiki/Divina_Comédia
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Pietro della Francesca
http://pt.wikipedia.org/wiki/Piero_della_Francesca
http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/piero/



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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Vol. I - bloco 6 (2/2)









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Com muitos colegas estudantes nós concordávamos que estas pinturas que queriam confundir-nos quanto ao antitético [das Antithetische], com tudo que poderia ser dito em defesa delas, pouco tinham em comum com nosso interesse. Nós queríamos, nós mesmos, identificar o que para nós era dito ou o que tinha sido superado, o que estava à serviço da Demagogia ou o que podia ser útil às nossas tentativas de descoberta. Pintores, poetas, filósofos informavam sobre os confrontos e crises, as opressões e recomeços de nosso tempo. Na transição de um Estilo [Stilart] a outro, numa súbita libertação da emoção, do gesto, da cor, deixava reconhecer mudanças sociais, porém sempre era na diversidade de espelhamentos, das concentrações visuais, a se encontrar uma unidade, todas davam uns aos outros nutrição, perguntava, respondia um ao outro, e nada era assim tão remoto que não fosse compreensível. A reflexão surgia, se não por dependência do artista quanto a nobreza e ao clero, por toda uma necessidade, o desejo de obedecer ao mandante, dava ao trabalho deles grande segurança e capacidade quanto a posteridade, pois que eles se mantinham por si mesmos e eram responsáveis apenas por si mesmos. A lenta e calma realização da Obra dentro de uma sequência assegurada pela Tradição foi substituída pela exigência de originalidade, o que era novo não foi atribuído ao completo saber artesanal, mas sim ao Gênio, e este impulso para a peculiaridade, para a dedicação ao individual, levou ao isolamento, ao se meditar a predominância dos sofrimentos pessoais, até um excesso e, finalmente, o desafio da Arte. Com as gravuras de Dürer, do filho pródigo e da Melancolia, foi claramente a separação marcada entre a Arte hierárquica e aquela que se colocava e plenamente si só tinha que encontrar a escolha deles [dos artistas]. Nós discutíamos se por isso, porém, não seria legítimo, quanto a Arte, com pretensão de exclusividade, a impor uma linha-diretiva, e se tal determinação de uma definitiva função novamente poderia provocar uma persuasão, uma consequência. Porém um estilo não se deixava coagir, ele devia se desenvolver de modo orgânico. Isso pertencia ao período no qual vivíamos, que tudo o que era anterior, antes de tudo o que podíamos vir a conhecer, se tornava uma mistura cultural [Schmelztiegel; melting pot], quando o estilo da nossa época devia ser um constante pesquisar e rejeitar. E, perguntou a mãe de Coppi, como podia ser possível ao artista de outrora produzir sob a permanência dos tiranos. Por que eles não desvelavam a proporção da opressão e não questionavam as relações de poder, respondia Coppi, eles expressavam o que eles consideravam certo. O artista esclarecido de hoje em dia, que se colocava às ordens da ditadura, podia apenas fingir e enganar a si mesmo. Os monumentos do Fascismo, baseados em modelos gregos e romanos, expressavam nada além de um engessado vazio. Por isso, disse Heilmann, os representantes da verdade vivem no exílio ou na prisão ou, se eles ousam revelar suas opiniões aos mandatários, eles pagam sua sinceridade com a morte. Prisão e tortura, proibição de trabalho, fuga, exílio e fogueiras, ele disse, pertenciam ao destino do artista, desde que ele começou a se expressar livremente diante dos superiores. A Arte em sua totalidade, ele continuava, a literatura no total está disponível para nós sob a proteção de uma deusa, Mnemosyne, que ainda podemos aceitar. Ela, a mãe da Arte, chama-se Memória. Ela protege o que se insere no desempenho geral de nossa própria percepção. Ela sussurra para nós o que as nossas emoções exigem. Quem se atreve a criar este bem acumulado, até se castigar, só nos prejudica ao condenar nossas capacidades de distinção. Às vezes considero os historiadores de Arte bem antipáticos, eles que, com dedo levantado, esquecem a ambiguidade de cada singular obra [de Arte], pois aqueles que pretendem coações a partir de análises políticas nada sabem sobre a essência da Arte. Com seus roubos de quadros, suas queimas de livros, seus ataques contra as opiniões não-aceitáveis eles se apresentam semelhantes aqueles da Inquisição. Sem meios termos a Ideologia irrompia numa área que até poderia ser unida a ela, mas que [a Arte] devia se fechar se ela [a Ideologia] exigia subordinação. Marx e Engels sabiam disso, e também Lênin nunca se aproveitou da posição dele para impor seus pontos de vista sobre a Arte. Eles eram, no sentido que do que eles conceituavam Beleza, uns tradicionalistas. A compreensão que eles tinham de Arte era originada a partir de escolas burguesas. Porém eles percebiam os valores a partir das obras que se relacionavam com o progresso social, e que aplainava o caminho da Arte na propriedade em comum. Eram, antes de tudo, os mecanismos de opressão esmagados através da Revolução, mas a Arte não apenas ficaria intacta, mas sim, com sua harmonia e grandeza, em geral, antes de tudo, poderia trazer plena importância. Eles nada defendiam de revoluções ao modo blanquista, proudhoniano, bakuniano, e assim eram contra o radicalismo extremo, a retórica vanguardista, assim eles preferiam os inquietos espíritos dos clássicos consagrados, tais como Hölderlin, Novalis, Kleist ou Büchner, os épicos franceses eram, para eles, mais preferidos que Rimbaud, Lautréamont, Verlaine, Baudelaire, enquanto eles permaneciam ao lado das sinfonias melodiosas, e a música atonal devia ser um sofrimento para eles. Lênin considerava as obras de pinturas contemporâneas como uma afronta à natureza, ele se irritava quanto a isso que seu não sem distúrbios seriam atingidos através do tumulto da Revolução, porém ele queria também para a florescente Arte no Estado Proletário o simétrico e o melódico em vez da dissolução da anatomia, da confusão dos gritos, sirenes de fábricas e turbinas, assim devia ser sua pretensão sobre o partidarismo, porém a trazer uma face, que cada artista haveria de reinventar. O que ele, enquanto autoridade, entendia sob partidarismo era, de modo ético, o que concedia da Arte enquanto uma vitalidade, porém que junto a ele havia sido generoso, haveria de ser com seu sucessor [Stálin] um tanto baixo e mesquinho, onde o padronizado venceria sobre a espontaneidade, o metódico sobre o que se desenvolvia livremente. Quando agora, ao fazermos perguntas durante as discussões, os mestres professores recomendavam o estudo da Poesia e da Arte dos séculos passados, quando eles elogiavam Balzac, Stendhal e Goethe, Rembrandt, Bach e Shakespeare pela maturidade e conhecimento humano, pela prudência e cosmovisões [perspectivas de mundo, Weltperspektiven], quando eles viam exemplificados nos patriarcas e senhores feudais, nos aristocratas, damas da côrte e reis, os conflitos atemporais de modo humanista, por que não poderiam as obras de contempladores burgueses-tardios e experimentadores mais informativos despertar o nosso interesse? Não tinham Marx, Engels, Luxemburg, Lênin se inspirado nos pensamentos que manifestações culturais nem sempre eram devidas às condições materiais da época, mas sim frequentemente se apresentavam em contraste a elas, que os artistas com astúcia, desafio e ironia rompiam as limitações e condições das relações de produção e, com novos conhecimentos, contribuíam para a mudança de consciência. A Arte possuía também, junto a ele, um determinado caráter de classe, uma qualidade, com a qual eram considerados os processos sociais, econômicos e políticos, que determinavam a nossa vida, pois a Arte se encontrava frequentemente num limiar, a partir do qual o ser social seria transformado, e mesmo esta qualidade era bem o que fazia confusas as Ideologias. Elas não gostariam de seguir sugestões, enquanto a Arte seria uma constante força disponível em toda parte a permitir efetivar uma renovação, enquanto ao contrário elas [as Ideologias] exigiam dos meios artísticos o mesmo disciplinamento, que para eles, os políticos, era necessário. Quando eles ficavam tutelando, interferindo e disciplinando, era de certo modo difícil de criticar, pois sempre se diziam ligados às melhores intenções. A Arte socialista devia ser purificada de toda a brutalização nos negócios culturais capitalistas, e eliminar em toda medida, a glorificação da guerra, do poderio sádico, do racismo, e devia ser aceito apenas o que foi por complexa avaliação de onde ficava o limite entre o combate da Reação e a liberdade de expressão. Nós não concordávamos com o ponto de vista de que era o resto do preço que se devia ser pago pela liberdade de escolha, nós condenávamos o lixo que se despejava diariamente a partir das cloacas da mídia de massa sobre a população, que porém pertencia à Literatura, às Artes plásticas, e não devia experimentar qualquer direcionamento. Acontecia que o nosso programa educacional não era apenas contrário aos obstáculos da sociedade de classes, mas também em conflito com o princípio de uma visão cultural socialista, que sancionava os mestres do passado e excomungava os pioneiros do século vinte. Nós insistíamos em Joyce, Kafka, Schönberg e Stravinski, Klee e Picasso pertenciam à mesma fileira na qual se encontrava Dante, autor de Inferno, obra com a qual nos ocupávamos desde algum tempo.






[pausa]







em breve o bloco 7...


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links




sobre Albrecht Dürer
http://pt.wikipedia.org/wiki/Albrecht_D%C3%BCrer
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mais sobre Hölderlin, Novalis, Kleist,Büchner
http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_H%C3%B6lderlin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Novalis
http://pt.wikipedia.org/wiki/Kleist
http://es.wikipedia.org/wiki/Georg_B%C3%BCchner

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mais sobre Rimbaud, Lautréamont, Verlaine, Baudelaire
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rimbaud
http://pt.wikipedia.org/wiki/Conde_de_Lautr%C3%A9amont
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Verlaine
http://pt.wikipedia.org/wiki/Baudelaire
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mais sobre Balzac, Stendhal, Goethe,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Balzac
http://pt.wikipedia.org/wiki/Stendhal
http://pt.wikipedia.org/wiki/Goethe

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mais sobre Rembrandt, Bach, Shakespeare
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rembrandt
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bach
http://pt.wikipedia.org/wiki/Shakespeare

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mais sobre Joyce, Kafka, Schönberg
http://pt.wikipedia.org/wiki/James_Joyce
http://pt.wikipedia.org/wiki/Kafka
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sch%C3%B6nberg
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mais sobre Stravinski, Klee e Picasso
http://pt.wikipedia.org/wiki/Stravinsky
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Klee
http://pt.wikipedia.org/wiki/Picasso

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mais sobre Dante, Inferno
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Alighieri
http://pt.wikipedia.org/wiki/Divina_Com%C3%A9dia


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sábado, 16 de abril de 2011

Volume I - bloco 6 (1:2)





Estética da Resistência



Peter Weiss




bl. 6


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Somente dois mil anos após Aristonikos foi bem-sucedida a Revolução. O líder da revolta de Pérgamo queria nomear Heliopoliten [cidade do sol] o seu novo Estado, de acordo com o sol, o símbolo da justiça. Mas o que aconteceu foram as correntes de escravidão ou valas-comuns. Aristonikos foi lançado num fundo de navio de um triremo e conduzido para Roma. Seu sonho de um movimento de independência findou no Fórum, onde ele, preso num bloco, foi observado com desdém e cuspido. Enquanto ele morria miseravelmente, ele via ao seu redor os suntuosos templos dos dominadores. Dois mil anos de escravidão se passaram, através dos estágios antigo, feudal e burguês, a História tinha, como se diz, acumulado camada sobre camada, a alcançar progresso através da constante opressão das massas populares, cada melhoria jazia arruinada por uma eclosão de desespero, porém o sistema de dominação permanecia o mesmo, o avanço dos servos, dos escravizados, dos assalariados eram sempre combatido com novas armas, e quanto maior era o ímpeto da legítima defesa, tanto mais completos foram os golpes-de-extermínio. Por dois mil anos se alongou o discurso daqueles que subiram ao poder, expulsando os antecessores, e se instalando em altas posições, até que os próximos chegassem, impacientes, audaciosos, e junto a este contínuo movimento ficavam aqueles ao fundo, aos quais era apenas dito que o tempo deles ainda não havia amadurecido. Ainda não suficientemente forte, nítido, assim se diz, o antagonismo na sociedade, a Revolta insuficientemente organizada, tão pouco esclarecido o povo, demasiadamente marcadas por miséria eram as pessoas das posições mais baixas, como que elas estivessem em condições de exprimir pensamentos de reversão, como que pudessem atingir a Revolução. A História era dada de cima para baixo, assim descrevia de modo convincente que cada revolta podia ser sufocada, e igualmente e evidentemente trocavam-se os que lucram. Tudo se processava por princípios inalteráveis, então eles, que nos davam a imagem do mundo, estavam sempre ao lado daqueles que determinavam as regras do mundo. Os adversários desde o início, para eles a História era uma singular sucessão de horror e clamor, apenas chegavam, sob todas as oligarquias, não até a palavra, e desde rolos de papiros até os ressoantes aparelhos de rádio a verdade era sufocada pela Demagogia. Se tivessem os escribas, aqueles mais instruídos, se unido a classe dos trabalhadores, então as visões de uma vida em igualdade não deveriam esperar até o nosso século para se concretizarem, porém o espírito, a mentalidade, disse Coppi, era agora mesmo inseparável das finanças, e hoje ainda apoderar-se apenas do individual da inteligência solta e lançada para nós. Os escultores na fortaleza, ele queria dizer, estavam de acordo com a supressão das desordens nas vielas, senão eles não teriam estado em condições de conceder tal grandiosidade e acabamento aos frisos. A imagem harmônica dos deuses, com um aspecto de tranquilidade e moderação, que pertencia ao ideal deles. Tivessem ficado na descrição clara dos conflitos sociais dos impuros e pecadores, eles não poderiam continuar o trabalho [de escultura]. O que, contudo, dos movimentos humanos era acolhido no trabalho deles, até de modo não-intencional, graças à habilidade profissional deles, a qual pertencia o observar, o reproduzir de experiências concretas. Antes de tudo devido a consciência das verdadeiras relações de poder geraria a possibilidade de se recusar aos desejos dos clientes. Num tal ritmo eles adiavam, quando eles se resguardavam numa autonomia e isolamento da Arte deles. Eles continuavam fazendo dedicatórias aos príncipes e prelados, aos mecenas especulativos, e carregavam a própria culpa com particularidades afetivas e bem assinaladas, que eles desde fora peneiravam através do filtro dos seus sentidos. O apoio que eles davam acumulava dinheiro, que era a garantia para que se pudesse originar altos desempenhos, pois onde dominava a carência era não pensar em incentivo da Arte, quanto mais inescrupuloso o uso da força, tanto mais profunda a contemplação, quanto mais ampla a espoliação, tanto mais relevante a ornamentação artística. Na posição deles entre as quais, sob as quais viviam, sob os soberanos, cujo poder eles aceitavam, os artistas dedicavam-se ao jogo da materialização [do domínio]. Apenas a partir da representação, que disso eles completavam, com um valor independente, podia se esclarecer a dedicação ao trabalho, a falta de fadiga, enquanto ao redor se desentranhava o Terror, enquanto se repensava a partir de campanhas espontâneas e sem-regras, e de bem-funcionantes máquinas de guerra, enquanto os servos-carrascos aperfeiçoavam suas torturas, os encarceramentos se procediam em série e os mercados de escravos se transformavam em imensos campos de punição, em penitenciárias, nas quais havia a privação de direitos e era abolida a expectativa de libertação. As revoluções francesas fizeram as estruturas oscilarem, e muitos descobriram sua filiação ao elemento proletário, e por sua vez esta percepção fora forçada pelas lutas nas ruas. Porém o que se fazia necessário a isso, disse a mãe de Coppi, para converter o conhecimento em ação. Dois mil anos foram necessários para que nós encontrássemos um esclarecimento científico, porque nós sempre mais próximos das revoltas e rebeliões, tinham sido úteis enquanto passos de uma marcha, porque nunca tivemos sucesso em construir nosso próprio poder. Através de uma olhada em nossa própria história podia isso às vezes se destacar, enquanto sejamos nós os perdedores, enquanto não se modificaram os poderios, as coerções, que se confrontam contra nós, porém o Outubro [de 1917, a Segunda Revolução Russa, ou Revolução Bolchevique] era então a prova do fato de tantos ataques, afinal ter se acumulado uma força que tinha mais peso, impacto, mais do que tudo que nos tinha outrora aprisionado. Nas espiraladas formas do crescimento nós nos vimos às vezes na vizinhança imediata dos derrotados desde os séculos passados, e entendíamos o furor e a letargia deles, porém então era o momento para, ao contrário do desespero, surgir uma nova ação, e nós estávamos ainda próximos aos servos e escravos, e assim nos considerávamos, porém agora numa época na qual nossos objetivos começavam a se realizar. Nós agora nos levantávamos não em grupos, mas enquanto classe, que além disso tínhamos conhecimento do passado não apenas das misérias que constrangeram as gerações anteriores, mas ao contrário também sabíamos da contínua opressão nos países subdesenvolvidos, o que se fazia consciente às colônias. O jugo havia pesado igualmente em todo lugar, não apenas se resumia a um país, mas ao contrário uma responsabilidade que todos carregávamos juntos, numa consciência de solidariedade, a desenvolver o Internacionalismo. Talvez até fizesse um efeito paradoxal, se mencionar a nossa situação, em vista de milhões de trabalhadores em nosso país, que se deixavam desviar das tarefas de sua própria classe. Desde o início também haviam no Socialismo as desuniões e rivalidades, a intolerância e a arrogância, as pessoas, que queriam construir o novo, elas ainda estavam embaraçadas ao que era antigo, cada uma carregava pesado o que herdavam, assim tudo que era vindouro devia ainda ser incompleto, podia-se decifrar propostas apenas a partir de alguns vislumbres. Cursos de instrução política não eram mais realizados, nós podíamos apenas contar com alguns exemplares de impressos ilegais sigilosamente distribuídos ter um parecer sobre a posição, de acordo com a nossa própria avaliação, que nos parecia correta. E assim como se compunha nossa decisão política de fragmentos, dissonâncias, hipóteses, resoluções e lemas, carregados de uma convicção, que vinha de nossas próprias experiências de vida, assim era também a Arte não trazida ao conceito, sem que nós ajuntássemos suas oscilações, rupturas e oposições. E vencido pelos contraditórios, restava apenas como um coto inanimado. Desde o início a expressão da Arte possuía altos e baixos, pois pertenciam a cada época, a mostrar tanto fase dinâmica quanto estática, a expandir em espontaneidade e regressão, em originalidade e imitação, a qualidade de uma estilística raramente a colocar-se contra um algo diferente, o que foi denominado primitivo em relação às esculturas de pedra paleolíticas e as formas corpóreas riscadas na rocha, os monumentos da Ilha da Páscoa, das máscaras africanas e indianas, era assim mais seguro que a Arte atual se mostrasse modelar e nas outras sempre a considerar a força simbólica, sendo as pinturas de cavernas de Altamira e Lascaux com algo mais de Magia, o que foi substituída nas obras expressionistas pelo (estilo) decorativo, os afrescos de Creta, com suas leves tonalidades arejadas, seus contornos desfeitos, eram bem semelhantes a noção de Natureza dos Impressionistas, as estampas floridas de Knossos continham já a art nouveau [Jugendstil], os deslocamentos de aspecto [ou perspectiva] nos relevos egípcios preparavam o Cubismo, enquanto o Surrealismo atualizava as figuras babilônicas e astecas, as esculturas dos Hindus e do Khmer ou formas sumérias e coptas irrompiam na Arte escultural dos modernos. Antiguidade, Idade Média foram denominações para as gavetas categóricas dos teóricos, desviando-se da realidade, ao dizer que tudo na Arte era novo e atual. Desde antes a Arte tinha concebido o Realístico e o Abstrato, o Ritual e o Fantástico, numa época a claridade era alcançada através da superfície plana, para outros se usava o efeito de fundo, a perspectiva central não foi julgada como uma melhoria, mas sim apenas uma expressão alterado do que é ilusório. Sempre pertenceu à Arte o que é conveniente e o que é arbitrário, o que era determinado e o salto até o que era surpreendente, inesperado. Também a História da Arte parecia uma espiral, no decurso da qual sempre nos encontrávamos com o antigo, e todos os elementos constantemente víamos de novo alterados e variados, e quando para nós resultava numa mudança significativa, assim ela ficava nisso, que nós tínhamos redescoberto o valor inicial da Arte, pois ela era, desde que se concedia um pensamento, propriedade de todos, aumentada com os nossos impulsões e reflexões. Tampouco como nós aceitávamos a representação de uma Arte exclusiva, que era criada para Eruditos específicos, poderíamos nos contentar com isso, que era de conceder à classe trabalhadora sobretudo uma editada linguagem artística, uma linguagem que deveria ser fácil, compreensível, sólida e ativa. Para nós, a Arte poderia não ser suficientemente versátil e criativa. [... ]



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Continua...


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trad. Leonardo de Magalhaens


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links sobre Internacionalismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Internacional_Socialista . sobre a Arte na Ilha da Páscoa, Creta, Knossos http://pt.wikipedia.org/wiki/Arte_minóica http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_de_Páscoa . sobre Impressionismo, Cubismo, Surrealismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Impressionismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Cubismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Surrealismo . sobre Jugendstil http://pt.wikipedia.org/wiki/Jugendstil http://pt.wikipedia.org/wiki/Art_Nouveau . Arte Khmer, Copta, Hindu http://es.wikipedia.org/wiki/Arte_copto http://www.exoticindiaart.com/paintings/Hindu/ http://www.canstockphoto.com.br/sculture-de-khmer-arte-em-antigas-pedra-0681936.html

terça-feira, 15 de março de 2011

I / bloco 5 (2/2)





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Por isso ficávamos eu e Coppi junto às imagens do primeiro grande adentrar dos trabalhadores, da vitória deles, da fundação do domínio deles, que enfrentaram sem reservas. Bem diante de nossos olhos estavam as obras, como elas tinham que ser, evidentes, naturais, correspondentes aos eventos, que não vinham mais a partir de cima, onde usualmente a atividade artística tinha seu lugar, ao contrário vinham diretamente a partir de uma série [de experiências] daqueles que tinham consumado as lutas e que queriam aqui novamente ser reconhecidas. Eles seguiam um modo de pintar que conheciam, que não reivindicava adaptação de padrões visuais, já havia os importantes, os fundamentais, no sistema educacional, enquanto que se expusessem primeiramente com novos movimentos estilísticos, para que pudessem entender as descrições dos eventos revolucionários. Um salto fora dado desde aquela época, na qual os trabalhadores se calavam, se fechavam [ensimesmados], contratados, recebiam seus soldos, até o dia em que eles erguiam as próprias ferramentas, faziam funcionar as próprias máquinas. O quadro da realidade fora deixado intacto, porém o Despotismo, que pendia sobre as antigas representações russas da vida popular, fora apagado, as figuras não mais esperavam, como se fossem condenadas, antes com orgulho, uma risada, como antes ninguém vira neles. O fato deste processo revolucionante, porém, disse Heilmann, não nos livra da questão sobre o modo como foi conservada em figura. Também junto às ações fora mesmo ponderado, ele disse, podia transmitir o que era certo e o que era falso, o que arrisca os movimentos mais próximos e o que eles validam. A prudência havia sido a característica da ação violenta. Por isso nós tínhamos de analisar como a energia, o entusiasmo das pessoas seriam transformadas no valor que correspondia ao trabalho manual artístico. Por tanto tempo, uma tal qualidade não seria observável, ficou o objeto apenas um produto secundário a partir do domínio dos procedimentos aparentes. Este tipo de Arte, respondeu Coppi, tinha rompido com todos os critérios anteriores. Eles surgiam diretamente a partir da Realidade. Talvez em antigos sistemas de domínio fossem os trapos e as correntes melhor retratadas, talvez fossem o modelo de composição, o contraste de cores, os efeitos de luz e sombra nas gravuras de prisões até tornar-se perfeição, talvez se reconhecia a partir de relato de pobreza e miséria os novos movimentos artísticos, aqui, porém, algo se expressava, que ainda nunca fora bem-sucedido, o evento no qual o trabalho se processava na própria propriedade. O Realismo nesta situação modificaria, disse Heilmann, compensaria através de uma idealização e heroização, uma atitude ressurgiria, a que teria sido superada pelos realistas da virada do século, por isso, disse ele, assumiria a legitimidade os verdadeiros acontecimentos nos quadros. Apenas com um adiamento de tema, ele acrescentava, estão aqui os pintores de pinturas e alegorias ao trabalho. Com nossa crítica usual, disse Coppi, tais quadros não alcançaria. O triunfar neles é a verdade deles. Para aqueles aos quais a construção do Socialismo é sem importância, tal Arte deve aparecer enquanto mera decoração, e a exuberância enquanto elogio vazio. Lá, porém, onde a marcha até a libertação, que ainda nós mesmos ousávamos, fora conseguida, correspondia à supervisão da Realidade. Nós nos permitíamos a avaliação sobre esta Arte, respondeu Heilmann, pela atenção que leva à admiração, que nos mostrávamos a condição dos trabalhadores. Questões artísticas podem, contudo, não serem tratadas sob razões emocionais e ideológicas. O que devia pertencer para fundamento de nossa cultura, deve suportar a prova. Estes quadros nos incentivam, disse a mãe de Coppi, tal assistência nós precisamos agora, pois que estavam muitos de nós derrotados. Porém Heilmann não abandonou suas objeções. Os quadros mostram bem os desempenhos, as realizações, disse ele, porém eles ocultam os processos contraditórios, nos quais surge o novo [a novidade]. O conteúdo deles não se deixam avaliar enquanto algo independente. Tal qual o pensar da Revolução ainda não era a Revolução, senão primeiramente exigia suas ações, a ideia dos quadros exigia mais após sua realização na forma. Forma e conteúdo aqui não combinavam. Nas gravuras dos processos revolucionários misturam-se um estilo, que é desgastado. Os pintores, que desejam ajudar os vindouras [as futuras gerações], traziam os métodos de um Naturalismo romântico, que se volta, retrocede, ao encontro da época burguesa. O Naturalismo deles, disse Coppi, destruiu tudo o que era bela paisagem aos olhares pequeno burgueses [Augenweide des Spießers], agora mesmo na acusação dele ao antigo e conhecido ele mostrava, tal qual ele se erguia sobre o anterior idílio dos lucros, da exploração. Agora também se poderia, devido a pressa, não agir para alcançar o definitivo, o essencial seja a sugestão à força, à vontade, para defender o já conquistado. Tivéssemos que posicionar em sentido moral estes quadros, e nisso também aceitar o imperfeito, até certo momento o tipo de Arte seria encontrada. Que ficava em completa concordância com a dimensão do já alcançado. O nosso estudo completo, disse Heilmann, explicávamos em vão, se nos conformamos conscientemente a uma artificialidade, a uma pose, quando nós ficamos lá, onde o progresso há tempos fora preferido. Se insinua aqui, disse ele, uma contra-revolução cultural em nosso retrato da sociedade. A hegemonia dos filistinos [Philistertum] se impõe a nós, a corroer nossas ideias, e nós nem percebemos. Ela [a Philistertum] acredita, disse ele, que isso vem daí que muitos ativistas políticos na formação do gosto [estético] deles sejam mantidos entre os plágios e substitutos. Que isso seja compreensível, comparado a uma completa ausência de temas artísticos, a mistura de sentimentalismo, pompa e ouropel na sala de estar do pequeno-burguês podia se apresentar como algo totalmente superior, e muitos, que começaram com isso, a procurar um caminho para a educação, depararam-se com estas abordagens mais próximas, e confundiram a disfarçada miséria com indício de cultura. A luta para uma Arte nossa, disse ele, deve ao mesmo tempo ser uma luta para a superação da tendência ao modo se ser pequeno-burguês. Nós precisamos apenas alcançar um rápido esboço da mão de um Van Gogh para em linhas toscas reconhecer a beleza, para a qual inutilmente se esforçam as colossais pinturas emolduradas em ouro. Eu deixaria também, ele prosseguia, ser válido o otimismo unidimensional, quando ele [o otimismo] não colocava exigência à absoluta vigência, a um predomínio, que golpeava em separado cada usual afirmação. Ele lembrava a outro, que isso tinha dado, antes de tudo à área do cinema, onde nós tínhamos recebido, no ano antes da derrota, ainda impressões que haviam sido decisivas para a formação de nossa convicção. Nos livros de Gorki, Ostrovski, Gladkov, Babel, os caráteres nunca foram um padrão, e na pintura e arquitetura eram durante anos foram projetadas para as possibilidades construtivas de Outubro, que concordavam com a essência da Revolução. Por que ocorria agora, perguntou Heilmann, a volta até antes do alcançado, por que uma Arte, que era revolucionária, foi renegada e esquecida, por que foram derrubadas as obras que emprestaram voz ao experimentar da época em que surgiram, porque a vida, que elas envolviam, se alterou desde a base, por que estas ousadas e arrebatadas alegorias do recomeço foram substituídas por pré-fabricadas, por que foi adotada uma restrita limitação da capacidade de percepção, quando um Maiakovski, Blok, Bedny, Iessienin e Bieli, um Malevich, Lissitzki, Tatlin, Vachtangov, Tairov, Eisenstein ou Vertov tinham encontrado a linguagem expressiva que era idêntica com uma nova consciência universal. O que agitava os Expressionistas, os Cubistas durante as décadas antes de Outubro [a Revolução Russa Bolchevique], disse Coppi, sucederam-se num mundo da Forma, que era apenas familiar aos estudados. Era um revolucionar da Arte, uma revolta contra as normas. O desassossego na sociedade, o poder latente, o impulso rumo a uma transformação radical foram bem expressadas, porém os trabalhadores e soldados, em dezessete de novembro, nunca tinham sabido destas metáforas artísticas. Os Dadaístas e os Futuristas em Moscou continuavam as transformações a um nível, que aos combatentes não eram familiares. A Arte devia agora então pertencer a eles. Porém o que se aproximava disso, tinha origem nos países da Europa Ocidental, de onde os representantes da Inteligência tinham recebido suas impressões, que não era propriedade deles, tornava-se para eles como algo oferecido, um bem [cultural] dos emigrantes, que fora enxertado por letrados. Isso ajudou-os pouco, quando isso significava que a Revolução das formas agora devia ser unida com a transformação revolucionária de toda a vida, o que a Vanguarda da Literatura e da Pintura até aqui estilizada, deveria permanecer incompreensível aos trabalhadores russos. Nos porões deles não se penduravam quadros, lá havia no máximo uma estampa colorida tirada de uma revista, iguais as que tínhamos. O que era Modernista, o Abstrato devia continuar privilégio daqueles que se ocupavam com problemas artísticos, daí não se formar uma Arte proletária, mesmo quando os autores pretendiam expressar a autêntica fala de um povo revolucionário. Neste momento de transição surgiu a questão sobre o que seria melhor, o que dava alimento ao intelecto mais desenvolvido, ou o que ajudaria mais ao principiante. A esta consideração pertencia a relação de contraste entre a diretriz nacional e a internacional. Tivesse a Revolução se propagado, então também a Arte conseguiria uma versatilidade revolucionária. O provisório isolamento da Revolução, a necessidade de continuar a luta sozinha, para preservar e defender a si própria, se fortificar diante do inimigo externo opressor, forçava também a Arte a uma posição na qual seguia disso que cada Obra [de arte] seria utilizada como arma social, cada declaração se adequar à imediata utilidade na defesa e produção. Assim foi tudo rejeitado, o que demonstrava um sinal de complicações, conflitos, nem o Estado soviético nem nós mesmos seríamos beneficiados com isso. Quebrado, dissolvido, fermentado, sempre a sofrer com mais elementos, igual a nossa Arte, lá os quadros não poderiam estar, lá havia nenhum lugar para contemplação subjetiva, sempre foi exigido o objetivo, o que se deixava inspeccionar, criticar, tal qual um motor, uma construção de edifício. Os trabalhadores nas siderúrgicas, nas fábricas de máquinas, nos estaleiros, nos colcozes viam-se representados nestes quadros. O ambiente deles, o processo da atividade deles, o manejo das ferramentas era corretamente reproduzido. Disso procedia [A Arte surgia a partir da Realidade]. O retratado [nos quadros] funcionava, era parte de um plano social e técnico. Esta Arte, disse Coppi, tinha lugar junto aos grupos industriais e represas, junto a eletrificação, a reforma agrária e a construção de universidades para trabalhadores. A Arte é prática, funcional, do mesmo modo que escolas e organizações políticas. À Arte se colocavam exigências práticas as quais ela não correspondia, e o que se imaginava singular, ao contrário, era o que a maioria esperava dela. E, porém, replicou Heilmann, esta Arte pode não ser o suficiente para os trabalhadores. Eles desejavam colocá-la [a Arte] ainda bem mais no centro dos acontecimentos, eles a menosprezavam porém, quando ela concedia-lhes apenas um aspecto da realidade. Ele deve perceber que temas definidos vai privá-lo da própria decisão. Junto ao sentido com que a cultura socialista foi medida, avaliada, aquele que tinha começado a ler, a estudar, que desejava se expressar, em quadros, em escritos, o que a ele era importante, até mesmo decisivo, acabou sendo impedido. Ele via situações reproduzidas exatamente em fotografias, porém em vez de proximidade com a Arte o que se estabelecia era distância, estranheza, porque o Material não está trabalhado, porque isso nada conteria enquanto formalidades. Assim exatamente como fora gravado o detalhe, isso mantinha enquanto cópia, ilusão. Desde séculos a Arte se esforçava por isso, para superar tal imitação. Por que, perguntava ele, os Impressionistas, os Cubistas e os Futuristas desmontaram então o que se apresentava os olhos, porém não para fugir do concebido, senão para o que ficava fora do alcance, impalpável, a prover uma nova estabilidade. Desde que as fotografias fizeram evidente o âmbito do Autêntico, Documentado para a nossa concepção de história, desde que a luz, que partia dos objetos, pôde ser diretamente recolhida e conservada, então a pintura mostrou-se aí menos competente para simular a Realidade através de uma ativa transferência de um determinado detalhe dimensional. Sempre a Arte nos convencera apenas quando com suas bases pintadas enchia as folhas escritas com uma vida própria. Quando uma precaução foi tomada para regular a Arte, assim apenas se confirmava o capricho que era inerente a ela. Quanto mais fortes as suas relações, maior o medo diante do perigo de seu poder explosivo. Desta noção não é de toda a suspeita de que nem tudo que se considerava enquanto exemplar, concordava com a realidade. Ele é então o senhor em toda parte, do que ele tinha conquistado, os pensantes se perguntariam, quando ele distinguia a reduzida liberdade de movimento, que a atividade artística é medida, avaliada. Desconfiado, disse ele, deve ser a ele também o ícone, que surgia em emissão de dez mil cópias sobre o completo trabalho artístico, sempre de novo apontando ao mais alto, sublime, que bigodudo e paternal [Stálin?] vigiava onisciente a totalidade. Quando os trabalhadores russos aos domingos, disse a mãe de Coppi, andavam em grupos nas exposições de quadros, nos museus, que são propriedade deles, então eles davam um olhar concentrado a própria história e também aos conflitos durante o período de combate, de desmandos hostis. O mais importante para eles é que resistiram. Nunca ela podia esquecer, ela disse, como ela, certa vez, na Casa Liebknecht, tinha visto um filme sobre a visita de camponeses coletivizados turcomenos e quirquizes na Galeria Tretyakov, como a franqueza e a lucidez nas faces, a satisfação e o assombro refletiam o ilustrado. Antes de tudo na variedade, replicou Heilmann, com que a Arte representa/retrata as experiências humanas, é reconhecer a vitalidade da terra de origem deles, e com intensidade se mostravam as restrições deles também as repressões, que prevaleciam no país [URSS]. Maiakóvski, ele disse, com seu suicídio havia antecipado o desastre que se lançara sobre o Estado soviético. Nós tínhamos sabido através de relatos e testemunhos sobre atos de sabotagem e tentativas de separação, planos de golpe e conspirações para a morte do líder do Partido. Aqueles que duas décadas antes realizaram a Revolução e fundaram o Estado soviético eram agora chamados de peste, insetos, parasitas, subhumanos. Eles, os companheiros de Lênin, queriam eliminar o Socialismo, desfazer a vida industrializada, vender grande parte do país aos Fascistas e reconduzir ao Capitalismo. Porém, com isso, indiretamente, disse Heilmann, houve uma péssima lembrança contra Lênin, então ele, com espírito crítico, com o conhecimento de futuro que sempre nos baseamos, tinha procurado colaboradores e confidentes que, quando eles então foram desmascarados enquanto criminosos, enquanto inimigos do povo, enquanto cães sarnentos, porém desde o início tiveram a intenção de trair de qualquer modo, pretendiam expor ao fracasso tudo o que fora conseguido. Por que Lênin não descobrira a gentinha, perguntou ele, que entre nós era conhecida como Guarda Bolchevique, por que ficou apenas um único restante, que devia ser digno de assumir a sucessão de Lênin? A situação quando do último ano de vida de Lênin foi diversa do momento de sua morte, disse Coppi. A força de união, que possibilitava uma luta em comum ao seu lado, partia da personalidade de Lênin, a desenvolver as meritórias qualidades deles. Ele [Lênin] via também as fraquezas deles, prevenindo sempre sobre as lutas para alcançar o poder, com desuniões, que devia ficar à espreita, onde um semelhante congregar de cabeças individualistas se ocupava com a construção de algo totalmente novo. Os Internacionalistas, que passaram muitos anos com Lênin, no exílio, que se orientavam no mundo exterior, foram golpeados juntos com aqueles que permaneceram no país, que se entrincheiraram meio ao povo. O Secretário-Geral, cuja rudeza, cuja falta de tolerância, Lênin sabia criticar, era na situação decisiva em que as Revoluções no oeste não ocorreram, lá todas as forças foram usadas para a conservação do isolado Estado socialista, tornaram-se à forma, na qual se juntava todos unidos e concentrados, quando ele tinha mantido afastados os rancores, rivalidades e divisões, que quando da morte de Lênin vieram à tona, ele que mantinha a calma e o controle, de modo modesto, a atuar com seu julgamento quando irrompia o conflito para decidir a sucessão. A História, disse Coppi, mostraria se ele era egoísta ou reservara o melhor do povo, porém, as autorizações foram transmitidas por ele desde o dia do Partido, porque ninguém parecia melhor qualificado, para assegurar a unidade do Partido num momento de perigo fatal. Devido a seu íntimo rancor, o Fascismo com sua astúcia fazia então de tudo, para mobilizar todas as forças impalpáveis contra o Estado dos trabalhadores, e isso era possível quando no país socialista se isolavam grupos, que se aproveitavam da falta de visão em comum, por isso podiam ser vencidos, ao se colocar contra a liderança, e legitimamente se fosse necessário, a eliminar todos aqueles que trabalhavam contra a obediência às diretrizes distribuídas. Acontecera assim, porém, replicou Heilmann, não apenas desde a administração estatal, a economia, os espiões e terroristas de caráter militar, envolvidos em altas traições, também muitos artistas, que ficaram famosos com suas experiências revolucionárias, foram subitamente declarados enquanto gentinha, decadentes, contaminados de elementos burgueses, e livros foram triturados, filmes destruídos, teatros fechados, alguns, como Babel, Mandelstam, Meyerhold foram presos, eram talvez logo fuzilados, liquidados. Estas palavras, disse ele, as palavras da difamação, diante das quais nós aqui, junto à morte e ao roubo, devemos tampar os ouvidos, devemos aceitar, quando eles chegam ao nosso lado, e o pesquisar artístico, devemos isso prover com representações de tabus, com sinais atávicos e irracionais e a nos permitir expressar, isso tudo seja legítimo e prático, apenas porque nos aproximávamos [também emotivamente] do país [dos trabalhadores, a dita URSS], em tais ordens que serão entregues, porque nada devia ameaçar a este país, porque ele devia ficar preservado, devia ser defendido, não apenas através de nossas ações, como também através de pensamentos contínuos. Como isso podia acontecer, perguntou ele, que tal deformação, tal desprezo se intrometesse nele, o que para nós era certeza, e como devemos criar a Arte, além disso para defendê-lo, este [o país, URSS] que é abalado por tal envenenamento. Na cozinha apertada, na qual o pai de Coppi ia e vinha, a sua sombra se encolhia mais adiante, enquanto crescia atrás, na parede junto a porta, na parede da janela, em nada diferente disso podíamos pensar do que sobre os delitos dos acusados, os quais sofreram um ano de processo, com cada detalhe sendo comprovado, porém haviam outros autores tais como Feuchtwanger, Heinrich Mann, Lukács, Rolland e Barbusse, Aragon, Brecht e Shaw davam crédito e se deixavam convencer pelas provas. Nenhuma dúvida devia surgir quanto a legitimidade dos processos, agora, pois havia sido concluído o Pacto Antikomintern entre Alemanha e Japão, pois os exércitos chineses se retiravam de Xangai, Nanking era bombardeada e Pequim (Beijing) era ameaçada, pois após a conquista da Etiópia estava iminente a adesão da Itália ao Pacto, pois os alemães e os italianos, ajudados pela política de não-intervenção da França e da Inglaterra, reforçaram a ajuda deles ao [general] Franco, e pois sempre além do Grande Reich alemão, em exigências por colônias, a expressar o impulso rumo ao leste [Drang nach Osten]. É assim, disse Heilmann, que nós somos colocados diante dos acontecimentos, que nós temos aceitar calados a intervir no que é proibido, que sozinhos em nossa curiosidade, que pertence a Dialética, subitamente devia ser suficiente para nos entregar à condenação. Justo porque nós este país [a URSS] comparávamos enquanto exemplar para o mundo, disse ele, devo me perguntar sobre o que lá acontecia, e que se antes tivesse desistido, depois de procurar uma compreensão dos contextos históricos, assim eu teria ficado no outro lado. É assunto do povo soviético, disse a mãe de Coppi, tomar posição diante e neste momento esclarecer tudo para nós. Então esperávamos que se deixasse endireitar tal país gigantesco, do tamanho de continente, com seus duzentos milhões de habitantes e que logo devia se encontrar melhor para todos após tantas privações. O que tínhamos então realizado, junto a nós, tendo deixado-os sozinhos, então quando iniciaram, temos tido paciência, em vez de iniciarmos, para que eles também eles nos exortassem. Apenas neles nos confiávamos, pois que eles estão à nossa frente. Porém, para o pai de Coppi, talvez neste momento fosse insuportável o aperto da cozinha, ele precisasse tomar ar, ele desligou a lâmpada, nós o ouvíamos se arrastar através do escuro, como se tivesse quebrado os vidros da janela que tivesse sido trancada, como se tivesse arranhado as unhas na parede, como se não houvesse janela, deixando os papéis caírem com ruído, se ele abrisse bruscamente a janela, então o frio invadiria e o cheiro da poeira úmida, e se ampliaria o nosso campo de visão rumo a algumas fachadas escuro-cinzentas, com quadrados escuros, onde sobre elas moviam-se nuvens refletidas.








fim do bl. 5





LdeM




autores russos citados

http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1ximo_Gorki
http://es.wikipedia.org/wiki/Nikol%C3%A1i_Ostrovski
http://en.wikipedia.org/wiki/Fyodor_Gladkov
http://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Babel

http://pt.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Mayakovsky
http://pt.wikipedia.org/wiki/Aleksandr_Blok
http://en.wikipedia.org/wiki/Demyan_Bedny
http://pt.wikipedia.org/wiki/Serguei_Iessienin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Andrei_Bi%C3%A9li

pintores russos

http://pt.wikipedia.org/wiki/Kazimir_Malevich
http://pt.wikipedia.org/wiki/El_Lissitzky
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Tatlin

nomes importantes no teatro / cinema

http://pt.wikipedia.org/wiki/Yevgeny_Vakhtangov
http://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_Tairov
http://pt.wikipedia.org/wiki/Serguei_Eisenstein
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dziga_Vertov

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